Rudnei sempre gostou da noite, mas de tanto a ela se moldar começou a desconfiar deste sabor agri doce que sentia.
_ Segurança, de baile de playboy Ah! Riu entre os dentes e a fumaça do cigarro mentolado que para ele significava o início de mais uma noitada, escondia o cavanhaque bem aparado, rindo mais, lembrou dos quadros apresentados pelos bêbados de plantão ou pelos de primeira viajem, sem falar nas gostosas,nas sobras, porque sempre tem uma gostosa que se esfrega nos playboy e no final da noite quer um homem de verdade.
Os colegas, eram como a noite, ora clara ora densa, negra.
O local, desta vez era o Engenho, era um engenho velho mesmo, que o Lair e o Seco compraram ou era da família deles sebe-se lá, que transforamaram em casa de shows, danceteria estas coisas, era bonito, mas as saídas eram pequenas e tem muito vigia para cuidar o trabalho da gente, muito cacique para pouco índio.
Naquele dia tinha um novato o Pedro. Forte, quieto, mas pela cara dava pra ver que não manjava da coisa, mas ser forte e alto já era metade da função, tava juntando as latinhas no fim da festa e agora que o Seu Luiz o colocou na segurança. O DJ se conhece nas primeiras músicas assim é o segurança.
_ O gurizão pega uma água para nós lá no bar.
Ao virar das costas Rudnei deu uma risadinha.
O novato voltou, meio que sem saber o que dizer, suando, e fazia caretas para o som alto.
_ O cara a água é 1 e 50, e eu não tenho grana.
_Ehhhh! Ai, Te liga vou te dar o bisu certo? Uma vez só.
_ Estes playboy não dão nada para ninguém sacou?
_ Toma ai a grana, a minha é com gás sacou?
Teve que deixar o novato para repor gelo no bar do fundo, a casa já ia abrir, mas nada acontece antes da palestrinha do seu Luiz, misto de instrução com desejos de bom trabalho.
Seu Luiz era uma incógnita física, nem gordo nem magro, falava grosso, o que lhe rendia a brincadeira de locutor ou cantor.
Rudnei olhou para o chefee pensou.
Tu ta ficando velho negão, te cuida que vou te atropelar.
_Ai guri te liga não fica catando mosca, mosca é só de dia.
O promovido o olhou com olhar incomodado.
_ Não adianta ficar assim, a noite é uma puta. Com uns cobra, com outros fode de graça, geme, grita e arranha, sacou?
Aquele ditado era do pai de Rudnei e ficou ecoando na cabeça e foi se resumindo à medida que a palestra começava, até que ficou completa, a noite é uma puta.
_Bom pessoal, temos hoje ai, um membro novo na equipe, espero que todos ajudem ai o Pedro, ok?
_ Mas o que tenho para falar para vocês é o seguinte, fiquei sabendo que o Vilmo da Segurança Garra andou sondando o patrão.
_O Vilmo traira!Um gritou do fundo
_Saiu daqui para criar olho gordo no trampo dos outros.
_Safado. Gritou outro a esquerda
_Bom mas pessoal a noticia ruim é essa, a boa que o Seco ta fechado com agente, mas me pediu o seguinte, não quer agressão na gurizada da festa, ou seja, nada de soco na pista nada de empurrão ou gritaria, isso não é bailão.
Entre caras rugosas, risadas toscas, e palavras inaudíveis, Luiz complementou.
_ Tem que pegar o querido entre 2 ou 3 e levar imobilizado para frente que a gente cuida dele lá, ou seja mais trabalho para os da frente , ouviu seu Carlinhos e seu Rudinei?!
Se o Seco ou o Lair pegarem afofando os queridos já sabem nem precisam voltar .
_A desculpa deles é que isso faz mal a imagem da festa, do lugar e a marca da produtora, sem falar que espanta os galetos, a mulherada gosta dos fortões emboletados, mas não gosta de briga.
Enquanto a peonada comia o lanche que Seu Luiz trazia, Rudnei ruminava a frase,” A noite é uma puta”.
A casa abriu, com isso o aroma das mulheres, que chegavam com os olhares rápidos.
Os homens direcionavan-se sempre primeiramente ao bar, aglomerando-se e rindo.
Na porta a revista tinha novidade o detector de metal.
O som já rolava na primeira parte da casa, que era sempre um aperitivo para a abertura da pista principal, isso quando tinha movimento o suficiente.
O trabalho corria bem, sempre um cheirando num canto amparado pelos donos que mandavam fazer vistas grossas mas reprimir a maconha, as mulheres a mil e os homens falando besteira, assim a segurança via tudo sem ser vista, este era o espírito.
Até que um típico guri, com cheiro de fraldas ainda foi levado até a porta imobilizado pela equipe que estava na pista grande, a noite já fluía.
Largado na porta, o garoto começou a gritar, e expressar raiva.
_ Que meu eu paguei o ingresso quero entrar na festa.
_O meu não fiz nada, quero entrar ai!
_ O rapaz se meus colegas te colocaram para fora, não foi de graça, esfria a cuca ai. Disse Rudnei fingindo desdenho e nem olhando para ele.
Pegou um cigarro, coçou o cavanhaque, cuspiu do lado de fora.
_O cara, eu quero entrar ai. Eu paguei tenho direito!
_Esfria a cabeça gurizão
_O meu não fiz nada... a mina , a mina que tava , o meu
O vento leve e solto lembrou que era noite, Rudnei recordou que “a noite era uma puta”.
_O meu tu vai deixar eu entrar ai?
_O meu cara ?
_ O meu me escuta ai.
_O meu eu tenho que entrara ai.
Rudnei foi ao banheiro, deixou outro no lugar, deu uma volta.
Olhou o relógio a noite era adulta, enquanto pegava outro cigarro, o garoto o interpelou.
_O cara que bom que tu voltou, o meu deixa eu entrara ai pó, nós se damos bem né ?
_Velho seguinte, se tu não esfriar a cabeça vai ficar ruim pra ti. Ou tu vai embora ou esfria a cuca que até pode ser que eu te deixe entrar dinovo sacou?
_O meu cara. Colocava a mão na cabeça como se desesperado, mostrando sua embriagues teatral.
Rudnei já não o ouvia, não as palavras, mas o sentia como uma mosca uma abelha a ser abatida.
Sua raiva aumentava a cada minuto.
Logo atrás de Rudnei, ao fundo da entrada ficava uma janela tipo guichê onde um dos donos, Seco, olhava o movimento.
Seco ao chegar na janela viu Rudnei soqueando o garoto até o meio da rua, o tombando no chão.
A noite é uma puta, e hoje ela me fudeu, logo eu o mais velho da segurança to fora, to fora.
A noite é uma puta
A noite
A noite
Arte: Aprostituta de Georges Rouault (1871 – 1958) e fotos retiradas da internet