quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Linha da vida



Viver para não sobreviver.

Foto O Mouro

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Prêmio para o Premio


Tirei mais uma lasca do Premio, o caro da família, não sabíamos, mas depois engendramos na mente que ele era quase como um irmão, parte de nós, e nós o usamos.
O pai já não tinha dinheiro para atualizar os impostos, os papeis, então era um fantasma que só saia à noite, ou em um domingo deserto, para que a polícia em suas batidas inesperadas não o levassem.
O pai dizia que se isso acontecesse ia entregá-lo e sair a pé mandando os policiais se fuderem, sabia que não teria dinheiro para resgata-lo.
Como todo mundo da família ele também tinha uma lado bom, apesar de ser sempre vilipendiado e xingado por nós deixar no meio do caminho, tinha ar condicionado, nosso prêmio por suportar verões escaldantes rodando por ai.
Chegar onde quer que fosse não é o divertido para uma criança como eu, sofria com o calor, o legal era ir, uma das pás da saída de ar batia na janela e vinha direto no meu rosto, aquele vento cessava meu choro desde cedo, resfriava minhas queimaduras de alguma abuso praieiro. Depois de uma tarde completa de sol e mar, me adormecia, lambia minhas dúvidas de guri, e acalmava minha compulsão por mexer nas primeiras espinhas.
Suas quatro portas, sempre pareciam um paraíso se abrindo, mesmo quando as primeiras deteriorações começaram, a letra C do Premio CSL caiu, lembro que o pai só olhou e juntou, colocou no bolso e depois no armário da garagem, para por último desaparecer.
Uma vez fui a um médico com a mãe. Lá tinha ar condicionado, mas não era igual ao Prêmio.
A ferrugem deu boas vindas, e nós avisamos o pai, assim como os buracos no estofado que escondiam as nossas moedas, o pai pouco fazia,  e dizia:
_No fim do mês eu mando arrumar.
Comecei a sentir vergonha de andar com ele pelo bairro, mesmo que isso já fosse raridade, minha última traquinagem foi gastar toda gasolina que restava no tanque só para ficar com o ar ligado, foi uma tarde inteira entre banhos de mangueira e minutos dentro do carro. O castigo foi longo.
Certo dia depois de muitas reclamações nossas, o pai cedeu e concordou em irmos ao Laguinho, lugar no interior aonde muita gente ia se refrescar no verão.
Um dia clássico, churrasco nas árvores, futebol, banhos, escorregão, brigas do pai e da mãe, tudo.
Era hora de ir embora, o Fiat não queria pegar, parecia prever o que se revelaria nos próximos quilômetros. Mas pegou empurrando é claro.
Na estrada avistamos a frente e atrás de uns arbustos uma caminhonete da Polícia Rodoviária, gelamos mais que o ar que funcionava bravamente.
Coloquei a mão na cabeça, o policial mandou parar e encostar.
_Documentos, por favor, cidadão. O pai lentamente pegou uma carteira desmerecida pelo sol e pelo roçar de objetos de dentro do porta luvas e saiu do carro. Ouvimos.
_ Não mandei o senhor sair do carro cidadão.
Então falou o pai.
_ Sabe o que é policial...
Foi a última coisa que ouvimos o pai falar antes de ouvir:
_ Mãe pega o Alex e as coisas.
Ficamos ali esperando o agente da lei fazer um calhamaço de fichas, e esperando o guincho.
Mesmo com a presença gritante porem calada de nossos olhar, o policial não atendeu aos pedidos do pai, e fomos até uma parada de ônibus, a pé.
Eu tinha 15 anos, e o verão acabou ali.