terça-feira, 6 de setembro de 2011

Monstro analfabeto


Ao chegar à sala viu ao fundo o local onde deveria ir, o moço com jeito de doutor lhe explicou onde era direitinho, mesmo que desconfiado, sabe como é gente da cidade às vezes pode passar a perna né. Tudo era grande um salão enorme com umas pessoas com cara de réu sentadas, pareciam que em seus rostos estava escrito, ESPERANDO, e duas meninas recém saída das fraudas na frente da mesa.
_ É aqui para tira a carteira de identidade?
_Sim senhor pode se sentar ai.
_ A que bom né sabe to meio cansado, tive um monte de volta aqui na cidade hoje, né,passei na loja do Reinaldo para pegar um Glifosato, eu gosto de ir na loja dele sabe, e se eu não tivesse me perdido logo demanhasinha, já tava até de volta num sabe.
_ O senhor já sabe o que precisa para fazer a identidade, é segunda via não é?
_Sim é
_Então tem a certidão e o comprovante de pagamento no banco do estado?
_Comprovante i, nossa isso eu tinha esquecido.
_ É o senhor vai ter de ir lá antes que feche pagar e depois me trazer o comprovante aqui entendeu?
_A ta.
_ O senhor me entendeu? Tem que trazer aqui para mim ok?!
Saiu lentamente da repartição apalpando os bolsos como se procurando algo.
Mais uma vez teve que perguntar onde ficava o banco do estado, depois da segunda explicação sentiu como se alguém o estivesse perseguindo.
_Mas ai que enconsto! Resmungou entre os dentes que eram raros
_ Já se tardando no banco, via as pessoas todas cheirosas atendendo o telefone celular,mas nunca ouvia o telefone chamando, o dele gostava bem alto pra todo mundo ouvir, acha uma graça quando o telefone tocava.
Pensava que não deveria ter perdido a carteira.
_ Os documento de um homem são importante.
Outra vez sentia aquele vulto, incomodado olhava para os lados repetidamente e na via de concreto.
De volta ao setor das carteiras, esperava a menina perto de um faixa minúscula de sol da tarde já avançada e pensava que ela tinha idade de ser sua filha.
Então limpando a blusa como se tirasse migalhas à menina o chamou._ Seu Eustáquio.
Muito bem o senhor sente aqui para eu tirar a foto.
_ A tu já vai tirar a chapa agora?
_ Chapa? Ah! Sim senhor.
_Pode se sentar agora aqui na minha frente, o senhor assine aqui.
De repente o que ele via com vulto se revelava, aquela mancha negra disforme vinha chegando invadindo em forma de um polegar enorme, tomava conta da sala, derrubava cadeiras e mesas, arrancava divisórias, manchando tudo ao redor de um borrão preto, sujo, uma tinta onipresente em todos os sentidos olfato, tato, tudo
As valetas disformes saltavam aos olhos lembrando um labirinto. Pingando a tinta pelas extremidades de cada risco interrompido, então começava outro sem um fim ou um começo em forma ovalar e circular
Escurecendo a sala nada mais se via somente aquele dedo enorme, vasto.
Ainda surpresa a menina deixou cair a caneta
E Eustáquio pegou do bolso do paletó um saquinho de fumo e um livreto de papel e começou a fazer o ritual de preparar o cigarro tipo palheiro, mesmo que tremendo ao extremo , a ponto  de derrubar quase todo o fumo  entre os dedos frios no chinelo e o chão.
A marca dedal rebolava grafitando, imundiciando as paredes e se fazendo perceber como que se mostrando.
Então voltou uns centímetros para trás e começou com um ímpeto a amassar os escritórios ao redor que eram separados por finas divisórias, logo tudo estava marcado, tudo era uma digital, tudo.
Satisfeito o grande dedo borrado voltou-se aos dois estupefatos e ali plantou-se parada, estaqueada.
Entre um engasgo e outro o surpreso homem calejado respondeu a menina:
Eu não sei escrever minha filha.