quinta-feira, 12 de maio de 2011

Aba caido

     O terreno escolhido era bom, os termos com o proprietário também, parecia que seria uma grande temporada naquela cidade mediana, mas sedenta todos sabiam, era um público muito carinhoso.
    As primeiras providências, banheiros, água, luz, tudo dividido em equipes não organizadas, mas já decoradas cada qual sabe o que tem de fazer, é assim a vida do circo.
    Mas muitas mãos davam atenção para o mastro principal, carregado com sincronia os homens lhe apelidavam de pai.
    Este momento silencioso planejado mostrava na face de cada um o momento de paz ou de preocupação um holofote cegante e radiante ou âmbar de meia fase.
     Uma euforia contida que despistava o olhar para a obviedade da vida ou do dia a dia, a autorização da prefeitura já chegou, isso já é meio caminho andado, todos querem estrear na sexta, isso é um pé de coelho.
    Um dedo apontado demarca imaginariamente arquibancadas, entrada, bilheteria, brindes, uma mão calejada levemente cortada desenreda cordas e cabos, tudo em um canto, agulhas, martelos, pregos, estaca, e o mastro à espera sereno, porem importante.
    O carro de som já vai sair para circular pela cidade divulgando a chegada e a estreia. Alegria o circo vem ai!
    Risadas desencaixotam-se nos trailers são as mulheres que se multiplicam em descascar lavar cozer e coser, sempre acompanhado de uma sonata de choro infantil.
   Uma máquina de carne e ossos faz a pintura viva, que se move entre a forquilha de madeira amarrada com arame e a tentativa de colocar a corda no pico do mastro para puxá-lo depois. Ruídos, suores e arfares, aprumar é agora o objetivo.
   Lá esta ele, o Mastro altivo, tudo ou nada. O início, todos a sua volta param e voltam sua atenção sem sentir resquício de cansaço.
    Abaixo dele tudo virá, a primeira lona já estava a postos,  grossa para evitar o barro e os cabos a lona de apresentação, as cortinas tudo, tudo vem depois  a mercê da proteção mirante do principal.
    A periferia do circo já tomava forma e os olhares transeuntes na rua se alvorotavam. O circo voltou!
    Mas ríspido e inclemete nuvens negras implantavam uma maciça marcha rumo à cidade a região estava de alerta para a forte chuva.
    O Mastro já estava firme e garantido, tudo tomava forma. E o temporal também.
    Sexta, dia programado para a estréia, a chuva também queria show e entrou nos planos da trupe, quem vive disto tem na chuva um revés controlado e no vento um inimigo declarado, a combinação das duas é o caos o alerta vermelho.
     A ventania começava a lamber as árvores que no fundo do terreno, antenas pendiam, alguns na rua corriam, fios de postes se tocavam gerando faíscas, galhos inteiros criaram asas, e a chuva começava a lavar as ruas, rios de veloz correnteza eram os frequentadores das calçadas. Agora dentro do picadeiro mais que goteiras fios de água que aumentavam o alagamento embaixo da grande lona montada no dia seguinte, as tiras trabalhavam muito neste momento e começaram a ceder e rasgar alguém colocou a mão na  cabeça, outros corriam,  uma criança chorava com um travesseirinho na mão.
    As hastes então forçadas pelo convencimento do vendaval já não seguravam a lona que pendia e balançava aquele universo colorido que se entristecia com o medo de algo sem nome.
   A lona agora rasgava a sinfonia executada pela a ventania com movimentos fortes, o peso dela se multiplicava balançando tudo e todos.
    O Mastro principal! Mudos todos correram para segurar, pois ele se movia, num balanço lento.
   Trovões competiam com agora surpreendentes gritos nada mais importava o mastro tinha que ficar de pé manter o que se tinha ele era o cerne, o vento não parava, molhados todos eram um só, mãos, cabos, cordas, um esforço para manter o Mastro o principal que com sua retidão sustentava a casa
    Então o choro se justificou, a perna bamba se fez comum, a retidão a probidade de uma importância se foi, quebrou.
   A lona caída gritava alto em meio ao mundéu de água e lagrimas misturadas em uma coisa só
    Não há mais Mastro, não tem estréia, o principal se foi, o pai quebrou, seus desamparados continuam mudos.



Um comentário:

  1. Lindo conto, faz sentir bem a realidade destes artistas nomades, que vão de cidade em cidade levando sua arte, e que muitas vezes são a única atração em um ano em cidades pequenas como a minha.

    ResponderExcluir