terça-feira, 25 de junho de 2013

Tais



Não importava a cara da manhã, seu leque ao bolso sua manta amarela, nunca saia, sempre calça, única peça que destoava de conjuntos reparáveis, ou rosa, ou verde claro.

Mas era observada não só pelas vestes indefinidas, mas por sua contumaz insistência em adquirir sempre o banco da frente  do ônibus intermunicipal, de forma eclesiástica e suíça.

Com chuva, com sol infante, com a aurora sem nome, nada declinava Tais de atrasar a fila do coletivo para se colocar prazerosamente em seu lugar já comprado de véspera, também culpados são os que sentam no meu lugar, pensava.

Para completar sua liturgia, consultava o espelho imediatamente ao se acomodar, cabelos, lábios, cílio.

A rotina traduzia a face de alguns motoristas, que nunca combinavam com a cara de embasbacado da maioria dos cobradores.

O carteiro que descia em Dicelandia, se de bom humor, largava um sorrisinho torto, uns peões que desciam no Capão da Onça sempre se empurravam a solteirona como a Framboesa de ouro.

Cristiano o mais calado sempre pensou que o Paulinho seria capaz  de traçar a Sandra Rosa Madalena, e se arrepiava só de vislumbra a cena na mente, trocava de cenário, pensava nos afazeres da fazenda.

A professora Beti nem ligava muito, só a percebia quando tinha que ir em pé, e conversava com a colega Marta _ lá vem à corajosa.

Na verdade Tais descia no centro para comprar a passagem para o próximo dia , trabalhava em uma fábrica de garrafas térmicas a beira da estrada, voltava às 18 h e poderia chegar em casa mais cedo não fosse seu rito .

Seria a estrada que a hipnotizava? Pensava o fiscal Valdomiro, que nunca a olhou nós olhos.

Seria a questão da numeração? O número um do acento lhe fascinava? Indagava o servente que limpava a rodoviária, o mesmo que nunca espreitou sua bunda.

Então o prazer de incomodar palpitava o motorista Marcelo, que nunca olhou seu decote.

No anonimato de mais uma manhã algo mudou. A modernidade de uma filosofia empresarial de última geração orientou o dono da empresa de ônibus a não colocar em seus coletivos numeração, nos acentos, pois assim as pessoas tinham o poder de exercer suas escolhas, o que acabou com a catividade dos lugares, pré-determinados.

Tais então perguntou _ O que ouve com os bancos?

Recebeu uma resposta armada e muito bem decorada, porem fria do novo motorista que começara naquele dia.

_ É a renovação geral da frota.

Tais agora se olha no espelho no número um do Hospital Nossa Senhora.


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