terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O primeiro adeus




O bolo havia chego, encomenda muito angustiante, a mãe falava dele a manhã toda.
A tia Anastácia tinha acordado com dor no pé  veio do interior para ajudar nos salgados.
Brincava, mas era interrompido para ajudar, aqui, ali, ser filho único é ser solícito por Involuntariedade.
Parou tudo para ver o desenho, era o único que gostava olhava e depois desligava a TV ou saía,e acompanhado,  mas na verdade isso era raridade.
No almoço ouvia o nome de tantos parentes que se confundia, por isso resolveu entre uma colherada e outra pensar em quantos primos iriam vir a festa. Norberto, Julinho, a Val, Bebeto, Aninha, será que o Titi vem? Lembrou que a Camila sempre trás a vizinha que tem cara de brava, o Maninho da tia Lu , a Muriel, o Gus, e a Sandroca.
Sempre tinha sono depois do almoço, hoje não, ja que o sol também estava muito presente, alto, alto.
Quando passava pelo quarto via a escrivaninha e os cadernos, canetas, lápis, sabia que naquele dia não ia ter de estudar português, sorria, era como uma parte dos presentes.
A mãe chamou para o banho, tomou rápido, mas desta vez ninguém notou , colocou a camisa branca nova, não gostou muito dela mas nem ligou também, já estava quase na hora dos primeiros chegarem.
A correria começou, aqueles oi, abraços espinhosos, uns impotentes outros animalescos, tentava fugir, mas a chamada era grande, uma recomendação de um e de outrao mas sempre  agradecia o presente recebido e os parabéns.
A bola tinha vida própria nos fundos da casa, naquela altura uma brisa como uma pluma o acordou do estase divertido, constatou, todos vieram. Sorriu.
Os salgadinhos eram vários, e a imaginação das brincadeiras um leque em dobro.
No quarto a cama estava colorida e repleta, representando como a festa estava boa, andava e pulava ou pulava andado, na pequena casa de material que ainda mexia com o nariz por ser nova e com o calor do verão tudo parecia mais sufocante.
Voltou aos fundos, Maninho estava parado em um canteiro ao sul da casa, retirava pedaços de alecrim e os cheirava demonstrando prazer.
_E ai Maninho não vai vir brincar com a gente?
_O guri meu negocio é outro, já to indo embora te ligou?
Na retina ficou reverberando aquela figura na camiseta  do primo  que tinha  ar de desdém Dia e Noite de  Escher, quis acompanhar com a cabeça  aquele movimento , pássaros pretos e brancos, não entendeu, mas ficou ali até voltar do estranhamento, mesmo depois procurava o primo com o olhar, para poder ver a camisa novamente, já não brincava como antes.
A tarde ia se despedindo da festa, junto com ela gradativamente os convidados, o rito se repetia. Abraços, beijos alisamento na cabeça, pegadinha na bochecha, os cômodos começaram a ficar vazios e silenciosos, e seu olhar agitadamente lento a procura dos primos.
A mãe ficou na frente falando com dona Selma, estava tudo vazio e um balão circulava entre os cômodos, lentamente vermelho.
Pegou a bebida, no copo quadrado, colocou um gelo, sentou encostado na parede mais fria do fundo da casa e começou a dar adeus, falando sozinho, imitando um bêbado qualquer da TV ou das novelas.
Adeus Norberto, Julinho,  Val, Bebeto, Muriel,  Gus...
O sol o abandonou , também disse adeus para ele, e a noite chegou.







ARTE :Maurits Cornelis Escher (Leeuwarden, 17 de Junho de 1898 - Hilversum, 27 de Março de 1972) foi um artista gráfico holandês conhecido pelas suas xilogravuras, litografias e meios-tons (mezzotints), que tendem a representar construções impossíveis, preenchimento regular do plano, explorações do infinito e as metamorfoses - padrões geométricos entrecruzados que se transformam gradualmente para formas completamente diferentes
http://www.mcescher.com/


4 comentários:

  1. ótimo conto..simples e de grande significado..Gostei mesmo..

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  2. Muito bom mesmo Alceu, parabéns pelo lindo blog que tá muito bom de se ler...

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  3. Temos visto um novo Mouro emergindo a cada texto. Mais homem, mais humano, mais família.

    NO entanto, a observação acurada tem se mantido. abraço

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  4. Legal teu http://mouroblog.blogspot.com
    Gostei do conto O Primeiro Adeus
    Para mim, é um dos melhores.

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